sexta-feira, 9 de julho de 2010

Principais formas de acesso aos livros

Veja nos quadros abaixo quanto afinal corresponde os "livros xerocados" no ranking das formas de acesso aos livros, e então reflita se realmente a Pasta do Professor prejudica tanto assim a venda desses livros. Depois pense porque então proibir tão drasticamente esse meio que só possibilita o acesso à informação por parte de acadêmicos sem recursos.






Fonte: AMORIM, Galeno. (Org.) Retratos da leitura no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial: Instituto Pró-livro, 2008. Disponível em: www.prolivro.org.br

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre o Direito Autoral, um pouco de história


Entende-se Direito Autoral como um conjunto de prerrogativas de ordem patrimonial e ordem não patrimonial, atribuídas ao autor de obra intelectual. Essas, dizem respeito ao poder de utilização deste produto intelectual.
"Direito autoral diz respeito, portanto, à propriedade intelectual ou artística sobre obras ou produtos.  Basicamente, é o direito legal do autor ou criador de uma obra a controlar a reprodução e a distribuição dessa obra. Esse direito pode ser exclusivamente do autor, que pode também vendê-lo ou licenciá-lo a editores ou outros." (IRATI, p.90, 1998)

Fato é que o conceito de Direito Autoral é recente, como diz Wilson Martins: “socialmente, o autor é o ultimo elemento que aparece na história do livro” (MARTINS, p.392, 2002). Segundo o mesmo autor, até o final do século XVIII o autor não é reconhecido socialmente, o que é um paradoxo, pois sem o autor, a obra não existiria.

A civilização grega utilizava muito da oralidade, logo, o texto escrito era pouco praticado. Da mesma forma a civilização romana não tinha regulamentação quanto a propriedade literária. De fato, podia-se considerar que quem adquiriu a obra tem maior direito de propriedade sobre ela, do que o próprio autor.
Oratio publicata res libera est. Texto publicado é obra livre.
Em Roma existia algum comércio livreiro, mas como nos dias atuais, quem realmente enriquecia eram os livreiros, e não os autores. Hoje este papel é desempenhado pelas editoras.
Pulando alguns séculos, vamos ao surgimento e desenvolvimento da prensa e da tipografia, aos tipógrafos se transformando em editores, e à concorrência que surge entre eles.
Quando existe a preocupação financeira, o autor/editor de determinada obra, faz toda a diferença. O conhecimento do autor publicado tem valor de moeda. Inclusive, muitos editores preferiam publicar obras de autores já falecidos, para não arcar com os direitos autorais e aumentar seu próprio lucro. 

A autoria também está relacionada à questão ética, que vai da criação em si de uma obra ao direito  inalienável do reconhecimento dos direitos morais do autor (ter seu nome associado à sua obra)”, ou seja, o direito a receber crédito por sua produção, que se aplica a qualquer forma de expressão, inclusive à Internet.

"Além da instauração da idéia de propriedade, para Michel Foucault, os textos, os livros, os discursos começaram efetivamente a ter autores (outros que não personagens míticas ou figuras sacralizadas e sacralizantes) na medida em que o autor se tornou passível de ser punido, isto é, na medida em que os discursos se tornaram transgressores. Antes disso, “o discurso não era um produto, uma coisa, um bem; era essencialmente um ato”. (IRATI, p.47, 1998)

Por isso, a autoria não é universal, nem está presente ou é necessária em todos os discursos. Houve um tempo em que textos literários [...] eram recebidos, postos em circulação e valorizados sem que se pusesse a questão da autoria; o seu anonimato não levantava dificuldades.

Referências
IRATI, Antonio. Autoria e cultura na pós-modernidade. Ci. Inf., Brasília, v. 27, n. 2, p. 189-192, maio/ago. 1998. Disponível em: www.scielo.br/pdf/ci/v27n2/irati.pdf
MARTINS, Wilson. A palavra escrita: história do livro, da imprensa e da biblioteca. São Paulo: Ática, 2002.

Um pouco sobre a Propriedade Intelectual

O surgimento do chamado Direito Autoral surge então com a idéia e abstração jurídica de Propriedade Intelectual. Como já foi dito, nas antigas civilizações com a tradição da oralidade ninguém era detentor do conhecimento, até mesmo porque o conhecimento só chegou aos dias atuais através da oralidade, onde o conhecimento de um era agregado ao de outro, e assim sempre se fez, e sem pagar nada por essas “propriedades intelectuais”, nem mesmo os gênios tiveram uma idéia e fizeram descobertas sozinhos, todos se basearam em conhecimentos já conhecidos (embora pareça um trocadilho), ainda que fosse para contradizer uma teoria, eles tinham uma referência e não pagavam por usufruir delas.


É um tanto quanto contraditório delimitar um momento a partir do qual as idéias então passam a ter dono. E é essa a prerrogativa da Propriedade Intelectual, que surgiu para incentivar os autores a produzirem mais a partir do reconhecimento e possível pagamento pelas suas obras. Mas uma propriedade, no entendimento jurídico, para estar sob proteção legal, precisa ser tangível, e como delimitar limites no campo abstrato das idéias? Impossível.


Esse “conceito” então é limitado a uma condição expressa da idéia por parte do autor. Ou seja, para se provar a autoria de uma idéia, é preciso expressá-la em algum meio. “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro [...]” (BRASIL, 1998). A lei então irá proteger não a idéia, mas a expressão da idéia. “Não importa o que é, sendo criado terá a proteção legal. “Não importa se é a fotografia de meu cão, uma poesia num pedaço de papel ou uma voz gravada. Com a criação vem a proteção legal, a ‘propriedade’” (MACHADO, 2007, p.257).


O Estatuto de Anne, de 1710, previa 14 anos de direito de impressão exclusivos de impressão à corporação de editores de Londres, chamada Conger. Isso porque eles reclamavam da concorrência dos livros “piratas”. Mas o estatuto da rainha da Inglaterra (Anne), estipulava um período de 14 anos, tempo que possibilitaria um retorno financeiro ao autor, e após isso poderia ainda ser renovado se o autor estivesse vivo.


A “propriedade intelectual” surge, assim, como um monopólio por tempo limitado de direitos concedido ao autor/criador. O tempo deveria ser suficiente para gratificar ao autor, mas não tão longo para prejudicar o interesse público. Nos meios jurídicos, ressalta-se seu papel como um instrumento para o balanceamento dos interesses entre as diversas partes envolvidas (MACHADO, 2007, p. 246).


Mas apesar de ser bem intencionada, essa ideia inicial já foi desviada há muito tempo, pode-se dizer que até mesmo desde a sua criação, já que os direitos foram dados a uma corporação em detrimento do autor.


Outros motivos para isso é o fato de que, devido aos interesses das próprias corporações, esse período de 14 anos foi cada vez mais expandido (quando o princípio do Estatuto de Anne já estava incluído na Constituição dos Estados Unidos) extrapolando até mesmo a própria morte do autor, já que os direitos podem ser repassados para os seus sucessores, ou seja, a estimulação à criatividade já não existe, pois depois de sua morte o autor não criará mais. Esse aumento do tempo se deu para que elas [corporações] detivessem o máximo possível de tempo os direitos de impressão, e o maior lucro pelas obras, obviamente.


Como os autores não tinham os recursos econômicos para explorar comercialmente a sua obra, eles cediam estes direitos aos capitalistas da indústria do livro, e os dividendos do empreendimento passaram a ser divididos entre uma indústria cada vez mais ampla e mais concentrada e o autor. (ORTELLADO; MACHADO, 2006, p.9 )


Os autores ainda destacam o fato dessas barreiras continuarem a impedir estudantes e cientistas de terem livre acesso à informação científica apesar dos avanços nas tecnologias de difusão da informação. Também para Ortellado e Machado (2006) elas são fruto de um modelo velho de difusão da informação que se baseia nas editoras, que articulavam e ainda articulam todo o processo até o conhecimento chegar ao consumidor.


Ou seja, o incentivo à criatividade e a justa retribuição monetária ao autor por sua criação não é o foco principal da “propriedade intelectual” e do direito autoral. Esses conceitos jurídicos são fonte apenas da formação de monopólios que detém a maior parte do lucro pela criação dos outros, usufruindo da falta de recursos dos autores caso esses queiram lançar suas obras por conta própria, assim ao invés de estimularem, acabam criando barreiras à criação e ao acesso à informação, já que, em países como o Brasil o custo de um livro, por exemplo, não é tão acessível à maioria.



Referências:

MACHADO, JORGE. Desconstruindo “Propriedade Intelectual”. Observatorio (OBS*), v.2, n.1, 2008. Disponível em: www.obs.obercom.pt/index.php/obs/article/download/92/139

ORTELLADO, Pablo; MACHADO, Jorge. Direitos autorais e o acesso às publicações científicas. Revista da Adusp. 2006. Disponível em: www.adusp.org.br/revista/37/r37a01.pdf

Prática da Pasta do Professor é ilegal dentro da Universidade.



         Entende-se por Pasta do Professor, a pasta disponibilizada de forma individual com o nome do professor, número e respectivo nome das disciplinas ministradas, nessa pasta o professor disponibiliza algumas das fontes de informação que ele indica na bibliografia do seu plano de ensino, ou outros materiais pertinentes à disciplina Essas pastas estão disponíveis nas copiadoras, instaladas dentro ou fora do espaço físico da Universidade.

        Na Universidade, as barreiras ao acesso à informação mencionadas no post anterior, colocadas pela suposta ideia de “valorizar o autor”, se intensificam a partir do momento em que não existem exemplares suficientes nas bibliotecas e o aluno se forma com seu conhecimento subsidiado através dos famigerados xerox.

         O professor, ao mesmo tempo produtor de conhecimento, contraditoriamente é o primeiro que diz: “vou deixar uma cópia do capítulo na minha pasta do xerox”. Se não for por esse meio, o aluno jamais conseguirá cumprir com suas tarefas e ter acesso à bibliografia obrigatória ou recomendada apenas. Parece ser unânime dentro da Universidade que, apesar de “ferir” a Lei do Direito Autoral, esse é o único meio de disseminar a informação dentro da Universidade e possibilitar ao aluno o acesso às fontes de informação que ele necessita.

          No entanto, a Pasta do Professor é ilegal. Nela são encontradas as reprografias, cópias de partes ou até mesmo de obras inteiras que não foram autorizadas pelos autores nem editores e mais, as reprografias são obtidas mediante pagamento. Mas porque a Pasta do Professor é tão combatida? O único motivo “moral” que se justifica a lei é por ferir a “propriedade intelectual” do autor, mas se formos um pouquinho mais adiante saberemos que é porque o autor “sai perdendo” por existirem cópias piratas de sua obra, mas se formos um pouquinho mais adiante do pouquinho chegamos às editoras. Única e exclusivamente são as editoras que se colocam contra a Pasta do Professor.

          Dentro da Universidade, o que o autor realmente sai perdendo com a aquisição por parte de um aluno de um capítulo de um livro, ou de um artigo? Será uma lista maior do que a lista do que ele sai ganhando disso?

Sobre o ponto de vista econômico das reprografias,no caso do COMUT*, Santos (1998, p. 140) fala que:

O prejuízo que possa trazer ao autor e/ou ao editor é muito mais aparente que real. Há um discurso já instalado nesse setor que fala em milhões de dólares perdidos anualmente pelos autores e/ou editores. Não é bem assim. Vejam só: as fontes, isto é, as bibliotecas precisam adquirir o livro ou a revista para reproduzi-los; em princípio, o usuário não vai satisfazer-se com o texto reprografado, ao contrário, vai ser estimulado pela bibliografia citada,e muitas vezes vai adquirir o próprio livro para complementar seu conhecimento, ou para guardá-lo como livro de referência. Diga-se, ainda,que é bem pouco provável que ele o comprasse se não houvesse o estímulo da cópia.


           A lei prevê a cópia única e feita pela mesma pessoa que irá usá-la, de pequenos trechos, para uso privado, dessa forma não há necessidade de “prestar contas” à lei, mas esses termos e idéias são passíveis de questionamento afinal, se eu não tenho uma máquina de reprografia e faço uma cópia no Xerox da Universidade, por exemplo, já estou infringindo a lei, ou se eu pedir licença ao funcionário que opera a maquina e com minhas mãos efetuar a cópia, será entendido como “feita pelo copista”? Outra questão, se eu mostrar essa cópia ao colega com o qual estou fazendo um trabalho, também já deixará de ser uso privado não? Ou seja, é meio estranho pensar em um uso privado feito pelo próprio usuário. E o que afinal seriam pequenos trechos?
Figura 1: Interpretações do parágrafo II, do Art. 46, da Lei de Direitos Autorais. 
Fonte: O mercado de livros técnicos e científicos no Brasil–GPOPAI/2008.

No entanto, essa redação só serviu para confundir pois a Lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003, alterou dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal referentes ao crime de violação de direito autoral, descriminalizando até mesmo a cópia de uma obra inteira, desde que para uso privado e sem fins lucrativos.


___________________________________

* O COMUT, é um programa brasileiro de comutação bibliográfica, que permiti a obtenção de cópias de documentos técnico-cientificos (periódicos, teses, anais de congresso , relatórios técnicos, e parte de documentos) que estão disponíveis nas principais bibliotecas nacionais e também em serviços de informação internacionais, dirigindo-se a uma biblioteca pertencente a rede COMUT, que funciona como intermediária, a qual realiza todos os procedimentos de solicitação. É cobrada uma taxa conforme o número de páginas do documento solicitado. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/COMUT
 


  
Referências:

SANTOS, Newton Paulo Teixeira dos. COMUT, reprografia e direito autoral. Revista de informação legislativa, Brasília a.35 n140 ou/dez. 1998. Disponível em: http://lqes.iqm.unicamp.br/images/lqes_responde_comut-reprografia.pd

E quem ganha com isso?

Pode-se ver que os fins didáticos e culturais ao público também são objeto de atenção perante a Lei, o que na realidade só fazem se perpetuar as barreiras ao conhecimento, principalmente num mundo onde as tecnologias que possibilitam cópias se aperfeiçoam e multiplicam cada vez mais. Sobre alguns desses aspectos, Grau-Kuntz ([2008?], online) enfatiza que “Entre a realidade e a interpretação restritiva do dispositivo da lei brasileira forma-se um abismo insuperável.”


Resumindo, o lucro de alguns acaba sempre saindo duplamente do bolso do cidadão, primeiro porque os investimentos do Governo na pesquisa científica, na educação e na cultura dentro do País são os maiores, e de onde vem esse dinheiro? Do contribuinte. E quem é que terá que pagar caro pelos materiais que resultam disso? Livros, remédios, produtos, tecnologias? O contribuinte novamente.


O investimento privado da editora para a publicação é bastante desproporcional ao investimento público para a geração de conteúdo. Não obstante, no estabelecimento do contrato de cessão de direitos autorais é a editora privada que detém a propriedade intelectual e estabelece uma eventual política de acesso à obra (por exemplo, permitindo ou não a cópia de trechos para fins didáticos). (CRAVEIRO; MACHADO; ORTELLADO, 2008, p. 32)


O conhecimento financiado com recursos públicos é cobrado dentro das universidades, incluindo as públicas, restringindo, contraditoriamente, o acesso público à informação.

Alguns professores que tomam partido favorecendo a abolição da Pasta do Professor justificam que ela é prejudicial pelos fatores já expostos aqui e incentivam a redução das cópias nos xerox, “reservando-a a pequenos trechos permitida pela Lei e àqueles casos de inacessibilidade da obra devido a sua indisponibilidade ou insuficiência nas bibliotecas e no mercado ou ainda ao seu alto preço.”(MACIEL, 2005, p. 208). No entanto, as ressalvas que a autora faz são praticamente todas as situações que hoje se aplica o uso da Pasta do Professor: bibliotecas sem exemplares o suficiente, edições esgotadas, alto preço do livro..., ou, como diria o ditado, ela “trocou seis por meia dúzia”.


Na pesquisa realizada por Craveiro, Machado e Ortellado (2008) os autores fizeram o levantamento da bibliografia do primeiro ano de dez cursos da Universidade de São Paulo. O objetivo foi comparar o custo dessa bibliografia com o poder aquisitivo dos alunos. “Os custos foram estimados a partir do preço médio de mercado em livrarias online e o valor dos livros importados foi estimado com base no preço (incluído frete) na livraria online Amazon.A renda familiar dos estudantes do curso está baseada em dados recolhidos pela FUVEST.” (CRAVEIRO, MACHADO, ORTELLADO, 2008, p. 35)

Figura 2: Resultados dos custos com aquisição de livros comparados com a renda familiar dos estudantes.
Fonte: O mercado de livros técnicos e científicos no Brasil–GPOPAI/2008.

Infelizmente, o resultado foi o esperado: os estudantes estão longe de conseguirem adquirir sequer a bibliografia do primeiro ano, que dirá do restante da faculdade. Em todos os cursos, para quase a totalidade dos estudantes os custos com a compra dos livros se equipara a renda total familiar ou até mesmo a ultrapassa. Essa família teria de comer e vestir livros. Outro dado levantado é que as Bibliotecas não tem e nem teriam como suprir à toda essa demanda de alunos que não tem condições de comprar os livros.

Resumindo mais uma vez: “vou deixar a cópia do capítulo na minha pasta..”

Referências:

GRAU-KUNTZ, Karin. Algumas considerações sobre a crise do direito de autor. IBPI. [2008?]. Disponível em: http://www.ibpi.org.br/crise.html. 
CRAVEIRO, Gisele; MACHADO, Jorge; ORTELLADO, Pablo. (Coord). O mercado de livros técnicos e científicos no Brasil: subsídio público e acesso ao conhecimento. Bauru, SP: Canal 6, 2008. Disponível em: https://www.gpopai.usp.br/wiki/images/8/8f/Relatorio.pdf

MACIEL, Sônia Maria de. O papel da universidade no combate à pirataria editorial. Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada. João Pessoa, v. 5, n. 3, p. 207-208, set./dez. 2005 Disponível em: http://eduep.uepb.edu.br/pboci/v53.html

Parte da Entrevista com Ronaldo Lemos, advogado e representante no Brasil do Creative Commons.

duração: 3:12
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ohPE9Hc3ssE&feature=player_embedded