O surgimento do chamado Direito Autoral surge então com a idéia e abstração jurídica de Propriedade Intelectual. Como já foi dito, nas antigas civilizações com a tradição da oralidade ninguém era detentor do conhecimento, até mesmo porque o conhecimento só chegou aos dias atuais através da oralidade, onde o conhecimento de um era agregado ao de outro, e assim sempre se fez, e sem pagar nada por essas “propriedades intelectuais”, nem mesmo os gênios tiveram uma idéia e fizeram descobertas sozinhos, todos se basearam em conhecimentos já conhecidos (embora pareça um trocadilho), ainda que fosse para contradizer uma teoria, eles tinham uma referência e não pagavam por usufruir delas.
É um tanto quanto contraditório delimitar um momento a partir do qual as idéias então passam a ter dono. E é essa a prerrogativa da Propriedade Intelectual, que surgiu para incentivar os autores a produzirem mais a partir do reconhecimento e possível pagamento pelas suas obras. Mas uma propriedade, no entendimento jurídico, para estar sob proteção legal, precisa ser tangível, e como delimitar limites no campo abstrato das idéias? Impossível.
Esse “conceito” então é limitado a uma condição expressa da idéia por parte do autor. Ou seja, para se provar a autoria de uma idéia, é preciso expressá-la em algum meio. “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro [...]” (BRASIL, 1998). A lei então irá proteger não a idéia, mas a expressão da idéia. “Não importa o que é, sendo criado terá a proteção legal. “Não importa se é a fotografia de meu cão, uma poesia num pedaço de papel ou uma voz gravada. Com a criação vem a proteção legal, a ‘propriedade’” (MACHADO, 2007, p.257).
O Estatuto de Anne, de 1710, previa 14 anos de direito de impressão exclusivos de impressão à corporação de editores de Londres, chamada Conger. Isso porque eles reclamavam da concorrência dos livros “piratas”. Mas o estatuto da rainha da Inglaterra (Anne), estipulava um período de 14 anos, tempo que possibilitaria um retorno financeiro ao autor, e após isso poderia ainda ser renovado se o autor estivesse vivo.
A “propriedade intelectual” surge, assim, como um monopólio por tempo limitado de direitos concedido ao autor/criador. O tempo deveria ser suficiente para gratificar ao autor, mas não tão longo para prejudicar o interesse público. Nos meios jurídicos, ressalta-se seu papel como um instrumento para o balanceamento dos interesses entre as diversas partes envolvidas (MACHADO, 2007, p. 246).
Mas apesar de ser bem intencionada, essa ideia inicial já foi desviada há muito tempo, pode-se dizer que até mesmo desde a sua criação, já que os direitos foram dados a uma corporação em detrimento do autor.
Outros motivos para isso é o fato de que, devido aos interesses das próprias corporações, esse período de 14 anos foi cada vez mais expandido (quando o princípio do Estatuto de Anne já estava incluído na Constituição dos Estados Unidos) extrapolando até mesmo a própria morte do autor, já que os direitos podem ser repassados para os seus sucessores, ou seja, a estimulação à criatividade já não existe, pois depois de sua morte o autor não criará mais. Esse aumento do tempo se deu para que elas [corporações] detivessem o máximo possível de tempo os direitos de impressão, e o maior lucro pelas obras, obviamente.
Como os autores não tinham os recursos econômicos para explorar comercialmente a sua obra, eles cediam estes direitos aos capitalistas da indústria do livro, e os dividendos do empreendimento passaram a ser divididos entre uma indústria cada vez mais ampla e mais concentrada e o autor. (ORTELLADO; MACHADO, 2006, p.9 )
Os autores ainda destacam o fato dessas barreiras continuarem a impedir estudantes e cientistas de terem livre acesso à informação científica apesar dos avanços nas tecnologias de difusão da informação. Também para Ortellado e Machado (2006) elas são fruto de um modelo velho de difusão da informação que se baseia nas editoras, que articulavam e ainda articulam todo o processo até o conhecimento chegar ao consumidor.
Ou seja, o incentivo à criatividade e a justa retribuição monetária ao autor por sua criação não é o foco principal da “propriedade intelectual” e do direito autoral. Esses conceitos jurídicos são fonte apenas da formação de monopólios que detém a maior parte do lucro pela criação dos outros, usufruindo da falta de recursos dos autores caso esses queiram lançar suas obras por conta própria, assim ao invés de estimularem, acabam criando barreiras à criação e ao acesso à informação, já que, em países como o Brasil o custo de um livro, por exemplo, não é tão acessível à maioria.
Referências:
MACHADO, JORGE. Desconstruindo “Propriedade Intelectual”. Observatorio (OBS*), v.2, n.1, 2008. Disponível em: www.obs.obercom.pt/index.php/obs/article/download/92/139
ORTELLADO, Pablo; MACHADO, Jorge. Direitos autorais e o acesso às publicações científicas. Revista da Adusp. 2006. Disponível em: www.adusp.org.br/revista/37/r37a01.pdf
Nenhum comentário:
Postar um comentário